Bem Ditas Sejam
BH, 22.05.2018, terça-feira, quase 20:00 h.
Hoje, e a partir de, talvez, não seja mais um dia qualquer, dos dias deste waldemas.com.
Não se tratou de nenhuma desconsideração de minha parte. Mas, no tocante à inclusão de assuntos neste site, nada demovia minha desvontade de fazê-lo. Primeiro, por não ter sido um desejo de origem. Quando disse aos consultores para saltarem a parte do site, ouvi que fazia parte do pacote da Secretaria ao qual se habilitara o Projeto. Projeto que, para mim, reverenciava apenas a publicação do livro, se aprovado fosse. Um site financiado pelos dinheiros de todos os aqui residentes e que por aqui passaram, vindos de outras cidades, estados e países… Um anonimato impossível de, na minha limitada compreensão, ser retribuído. Leve-se em conta a parcela contribuinte livrada do acesso a este meio. Ela, sim, a mais onerada por imposto daquilo que mais aprecia: a marvada e o pito.
De minha mirada, tudo se me revelava de reduzida importância ou nenhuma valia a publicação pessoal, apenas. Seria, no meu enviesado viés: mais um fazendo uso da esburacada túnica filosófica. Sob ela, vazado por todos os buracos da importância de minha publicação o séquito delirante da impoluta vaidade. Com total fastio, mantive o waldemas.com, até então, sob as bênçãos das abnegadas mulher e filha. Não li o Tutorial tão cuidadosamente elaborado para a mais tenra idade de aventureiros no ramo (e como é difícil escrever fácil!). Na verdade, morri de medo de entender alguma coisa daquela patranha e o trem me pegar pelo pé. Surrupiu ao momento, pedido de perdão aos seus abnegados autores Jorge e Juliana.
Depois do abensonhado café da tarde com minhas amadas, já reverenciadas, dirigindo-me ao computador, meditava sobre nossas falas. Simultâneos e espontaneamente, afloraram-me vislumbres de nossos debates mentais. Consistentes esses, em último, na mantença de atenta vigilância sobre a
utilidade de tais conversas nesta cerrada caatinga eletrônica. Mesmo considerando que dali não se emanou a mínima novidade, ainda que “em volta daquela mesa”, que não se pudesse dilatar para além, vencera-me a tonicidade e a forma generosa do partilhado. Cada qual expondo sua biblioteca pessoal, deixando ao outro o sabor de acolher ou simplesmente deixar passar as palavras soltas no ar.
Diante da tela, concluí: faltou-me, certamente, a força da escancarada liberalidade com a qual lida o Poeta Ricardo Aleixo. Sua mãe, de saudosa memória, ao entregá-lo ao mundo e, sem mais ter o que lhe dar, ensinou-o a jogar palavras ao vento. Bendita função que o bem dito Ricardo Aleixo cumpre tão bem no diário de nossas vidas, qual contrito semeador*: “eu jogo palavra no vento e fico vendo ela voar”¹. Ora, pois, então que voe em primeiro o nosso bardo maior.
Bendita ação: palavras ao ar! Que tudo mais seja bem dito!
Waldemar Euzébio Pereira
¹Palavrear. In “pesado demais para a ventania”: Antologia Poética, Ed. Todavia, SP, 1ª Ed. 2018, pags. 109/111.
*Expressão em poema inédito de nossa autoria.
Palavrear
Ricardo Aleixo
Minha mãe me deu ao mundo Ainda ontem, lá em casa
e, sem ter mais o que me dar, me sentei pra conversar
me ensinou a jogar palavra com as minha duas meninas
no vento pra ela voar. e desatei a lembrar
Dizia: “Filho, palavra de casos que a minha mãe
tem que saber como usar. se esmerava em contar
Aquilo é que nem remédio: com luz de lua nos olhos
cura, mas pode matar. enquanto cozia o jantar.
Cuide de pedir licença, Não era bem pelo assunto
antes de palavrear, que eu gostava de escutar
ao dono da fala, que é aquela voz que nasceu
quem pode lhe abençoar com o dom de se desdobrar
e transformar sua língua em vozes de outras eras
em flecha que chispa no ar que tornarão a pulsar
se o tempo for de guerra sempre que alguém, no vento,
e você for guerrear outra palavra jogar.
ou em pétala de rosa Gostava era de ver
se o tempo for de amar. a voz dela inventar
Palavra é que nem veneno: mundos inteiros sem quase
mata, mas pode curar. nem parar pra respirar
Dedique a ela o cuidado e ganhar corpo e fazer
que se deve dedicar minha cabeça rodar
às forças da natureza como roda, ainda hoje,
(o bicho, a planta, o ar), quando, pra me sustentar,
mesmo sabendo que a dita eu jogo palavra no vento
foi feita pra se gastar, e fico vendo ela voar
que acaba uma, vem outra (eu jogo palavra no vento
e voa no seu lugar”. e fico vendo ela voar)